quinta-feira, 2 de abril de 2009

Educação Física parte 2

Educação Física – Motricidade Humana na Universidade.

Uma área acadêmica voltada para o estudo do movimentar-se humano (educação física, esporte, atividade física, movimento humano, cinesiologia humana) pode existir mesmo que a profissão de Educação Física não exista. Tal área de estudo procuraria entender o movimentar-se humano na sua complexidade sob diversas perspectivas e naturezas (RARICK, 1981).
Por muito tempo foi intensamente discutidos e repensados por muitos estudiosos o significado e necessidade de uma área de estudo acadêmico que tivesse como foco principal o movimentar-se humano. A tradicional Educação Física, que após tantos anos é ainda questionada na universidade, passou a receber, na universidade, denominações diversas entre as quais Ciências do Esporte, Ciências da Atividade Física, Cinesiologia, Ciências do Movimento Humano e mais recentemente Motricidade Humana.
Educação Física, contudo, sempre teve uma responsabilidade profissionalmente orientada e, ainda hoje muitos não aceitam o conceito de área de estudo a ela referenciada, que não produza conhecimento diretamente aplicável à profissão. Muitos advogam que a prática profissional precisa estar embasada em conhecimentos científicos e que só isto justificaria a pesquisa nessa área. Sem duvida a primeira parte da afirmação é verdadeira: a profissão precisa estar embasada em conhecimento científico. Porém, os interesses acadêmicos sobre o movimentar-se humano são muito mais amplos do que os relacionados à demanda da profissão de Educação Física, adentrando, também, no interesse de outras áreas de conhecimento e necessidades de outras profissões.
É necessário reconhecer que o conhecimento não é propriedade de uma determinada disciplina ou de interesse exclusivo de uma profissão. Sabe-se que a cada dia o movimento humano torna-se do interesse de diversas áreas acadêmicas e campos profissionais, mesmo sendo notório que na Profissão de Educação Física pela abrangência que lhe é definida por lei, ser a mais próxima e com mais interesses nesse conhecimento.
Uma área de estudo acadêmico sobre o movimentar-se humano deve conduzir ao avanço das pesquisas e dinamização da atividade acadêmica pertinente. A busca de conhecimento deve ser guiado pela demanda da estrutura de conhecimento sobre o movimentar-se humano sendo desenvolvido no domínio correspondente e pelo interesse do pesquisador. A monumental tarefa de formalmente definir o domínio e conteúdo de uma área de conhecimento sobre o movimentar-se humano ainda está por ser realizada.
As demandas advindas de problemas da prática profissional, agora organizada, podem até serem respondidas pela própria profissão ou por uma missão orientada, combinando esforço corporativo com a comunidade acadêmica. A profissão tem a responsabilidade de conduzir o aprimoramento de seus serviços com adequados programas, tendo a responsabilidade de questionar suas práticas com objetivo de melhor servir a sociedade (SCHON, 1983).
Cada uma das diversas propostas até hoje elaboradas para estruturar a área de estudo em questão, constituiu uma importante e necessária contribuição. Todas são essenciais para manter e aprimorar o que já foi realizado até hoje.
Porém, é percebido que os esforços dos estudiosos, a cada dia mais numerosos, não estão proporcionando as respostas esperadas e necessárias ao encaminhamento das dificuldades geradas pela complexidade identificada nessa área de conhecimento. Então, é necessário buscar uma alternativa que reúna mais promissoras possibilidades de assegurar um rumo certo para a indevidamente denominada Educação Física na universidade.
Considerando que a profissão é legalmente denominada Educação Física e regulamentada para prestar serviços à sociedade no abrangente campo das “atividades físicas e do desporto”, a denominação da área de estudos na universidade que se volta sobre o conceito, princípios, formas e valores do movimentar-se humano, sabidamente complexo e holístico e de fundamental importância para a plenitude da vida humana é que deve ser renomeada. Isto é quase uma exigência.
Após tantos anos de discussões em diversas partes do mundo sobre a inadequação no meio acadêmico do termo Educação Física e muitas tentativas de equacionar a questão, propõe-se uma denominação para o encaminhamento da discussão, que permita a mudança e o próximo passo na problemática relacionada a esse fato.
Tem-se observado que na universidade, a indevidamente denominada Educação Física, não poucas vezes e em muitos lugares, está à mercê de pesquisadores e professores inseguros sobre o trabalho que realizam ou de pesquisadores estranhos à área. Segundo Kroll (1982) a existência de uma variedade de programas de Pós-Graduação em Educação Física e as discussões e recomendação para mudanças radicais sugerem a existência de divisões desconexas com objetivos vagamente definidos que colocam em risco essa importante área de estudo. Isto porque seus estudiosos aprenderam a pensar Educação Física como vítima, como subalterna das “verdadeiras Ciências”. A vêem com os olhos desfocados por influências diversas de orientadores newtonianos ou com "status" acadêmicos nas “ciências mães”. São os casos de visão biodinâmica, da visão sócio-cultural, da visão comportamental e pedagógica do movimento humano.
É o caso da pedagogia quando propõe que a Educação Física assuma uma orientação unicamente pedagógica, justificada pelo fato de que o profissional de Educação Física desenvolve uma atividade de natureza unicamente pedagógica em todas as possibilidades de intervenção.
Na verdade o que se discute reflete a necessidade da Educação Física responder aos novos fatores que a influenciam. A necessidade de um padrão básico ou de um novo modelo é percebível frente à complexidade e crescimento de sua abrangência.
Este novo padrão ou modelo deve destacar a relação entre a profissão denominada Educação Física e a área de estudos na universidade denominada hoje, indevidamente, Educação Física, Ciências de Atividade Física; Ciências do Esporte, Ciências do Movimento Humano e diversas outras.
Muitos dos questionamentos existentes sobre Educação Física como área de estudo acadêmico, estão relacionados à dificuldade advinda ou do termo Educação Física ou da diversidade de denominações que recebe.
Analisando as diversas correntes ou escolas que formularam propostas intelectualmente coerentes sobre o tema, vê-se na concepção de Motricidade Humana, apresentada pelo Prof. Manoel Sérgio aquela que pode marcar uma transformação e uma nova fase no desenvolvimento da área acadêmica hoje indevidamente denominada Educação Física.
Para a denominação da área de estudo em referência, sugere-se então, “Motricidade Humana”. Uma denominação fundamentada na proposta do Prof. Manoel Sérgio “onde se reconhece à primazia do intencional e do sentido sobre o meramente físico e reflexivo” (SÉRGIO, 1999).
Ela marca uma ruptura com o pensamento linear de todas as propostas existentes já há alguns anos, incluindo uma nova visão filosófica do homem em movimento. Fundamenta-se no entendimento de que o corpo é manifestação da complexidade do ser humano. O corpo (physis) surge como um objeto natural concreto, que se faz humano na consciência que brota do espírito que compõe sua complexidade, que torna possível a vida humana – diferenciada dos demais seres vivos (SÉRGIO, 2001). O termo Motricidade Humana está introduzido de forma muito bem desenvolvida e intelectualmente sustentada na vasta obra do Prof. Manoel Sérgio.
“A corporalidade é um eu, matéria consciencializada que abre o acesso do mundo a nós” (Fernandes, 1999, in Sérgio, 2001 p166) – através da intencionalidade operante ou motricidade humana (SÉRGIO, 2001).
A corporeidade “não concerne o corpo anatômico, mas a unidade da alma e do corpo vivido” (José Gil, 1988, in Sérgio 2001, p166). O Homem é a complexidade corpo, alma, natureza, sociedade, num desejo imparável de transcendência (SÉRGIO, 2001, p.166).
A pretensão é, então, indicar à viabilidade de se definir como opção para o próximo passo na universidade, da indevidamente denominada Educação Física, a utilização das propostas contidas na obra do Prof. Manoel Sérgio sobre a Motricidade Humana
Uma vez definido o rumo, as regras do jogo, todos os verdadeiramente interessados no conhecimento sobre o movimentar-se humano poderão melhor conduzir suas energias intelectuais para um trabalho mais produtivo e fazer com que seu trabalho acadêmico seja melhor identificado e reconhecido.
A ação motora representa expressão do ser humano através do corpo, da sua natureza em busca da transcendência. Envolve aspectos das dimensões biodinâmica, neurológica, psicológica e sócio-cultural. Compõe o movimentar-se humano das atividades diárias, dos exercícios fisiocorporais, treinamentos esportivos e de expressão artísticas.
A proposta é de mudança. A proposta desacomoda certos arranjos que dão base para o que ai está há muito tempo. É uma proposta para um novo passo, portanto, que não permite a ninguém se sentir seguro.
A área acadêmica denominada Motricidade Humana abrigará todos os interessados no estudo do movimentar-se humano, da ciência da atividade física, da cinesiologia, do movimento humano, das ciências do esporte, – do “movimento intencional na busca da transcendência, onde a dimensão originária da abertura ao mundo se revela, na plenitude do seu significado”(SÉRGIO,1999, p.26).
A Motricidade Humana, paradigma emergente, concebida por Manoel Sérgio, invoca a totalidade humana – corpo, espírito, natureza, sociedade – não só no processo de desenvolvimento motriz, mas também, do desenvolvimento geral; é estado e processo: porque dela emergem um código genético, uma estratégia bioquímica, um sistema nervoso, um nível energético de base e também os fatores culturais, de aprendizagem e afinal tudo o que constitui a praxidade humana. Pretende “ser um domínio organizado de um determinado saber” (SÉRGIO, 1999, p.36).
Nesta concepção de área de estudo a complexidade é inerente. A época em que vivemos deve ser considerada uma época de transição entre o paradigma da ciência moderna e um novo paradigma de cuja emergência vão se acumulando os sinais (Boaventura de Sousa Santos, Introdução a uma ciência pós-moderna, p.9; in Sérgio, 2001, p.33).
Não será cômodo para a Universidade assumi-la. Todavia, a universidade é o local para receber a proposta aqui formulada. A universidade tem que equacionar problemas decorrentes da departamentalização acadêmica que já foram identificados em diversos ambientes universitários. “É preciso encontrar o fundamento onde se reconciliem o jurídico e a vida, o particular e o global, o axiológico e o antológico. ... É o fundamento que recusa todos os dualismos, porque é no todo que se conjugam a formalidade das leis e das causas e a exigência da sua superação” (p60). E então proporcionar o exercício da cooperação entre especialistas acadêmicos provenientes de diversos domínios do saber (SÉRGIO, 1999).
A mudança é desconfortável, mas ao mesmo tempo indispensável para a continuação do desenvolvimento do conhecimento. A área de Motricidade Humana na universidade possibilitaria o desenvolvimento do conhecimento sobre o movimentar-se humano pelo ponto de vista de filósofos, antropólogos, biólogos, sociólogos, psicólogos, pedagogos e, principalmente, por estudiosos da Motricidade Humana voltados para as tarefas e interesses da profissão de Educação Física. Certamente a profissão de Educação Física estaria bem próxima desse ambiente, mas outras profissões também serão beneficiadas entre as quais a Medicina, Fisioterapia e outras.
A profissão cuida e cuidará dos serviços à sociedade em relação às necessidades relacionadas às atividades físicas e ao desporto, entre as quais, as demandas de exercícios físocorporais, práticas esportivas, dança e de outras manifestações culturais da Motricidade Humana. A área acadêmica da Motricidade Humana se ocupará do estudo sobre o conceito, princípios, formas e valores do movimentar-se humano, sabidamente complexo e holístico e fundamental para a vida plena do ser humano do ponto de vista acadêmico e do interesse dos diversos campos profissionais relacionados.
As instituições que têm como finalidade principal à preparação profissional em Educação Física, assim como todos os cursos de preparação profissional nesse campo incluindo o Esporte e a Dança continuam a utilizar o termo Educação Física; as instituições com finalidades acadêmicas terão Institutos ou Departamentos denominados Motricidade Humana abrigando pesquisadores dessa ampla e complexa área de estudos.
Os programas de Pós-Graduação serão mais adequadamente denominados de Motricidade Humana, até porque, recebem estudantes oriundos de diversos cursos de graduação e não têm um vínculo direto com a profissão de Educação Física.
Acertada a direção, os esforços produzirão mais e melhores resultados. Não tenho dúvidas que será muito proveitoso o diálogo entre a área de estudo Motricidade Humana e a profissão de Educação Física.

Referências Bibliográficas
CAMPOS, A.P. (2003) A construção do campo acadêmico da Educação Física brasileira:
Análise da EEFE da USP.(Dissertação de Mestrado). Instituto de Biociências,
UNESP Rio Claro.

PADILHA, S.M. (1984) O esporte profissional-estrutura (Debate) Anais do Ciclo
de Debates, Panorama do Esporte Brasileiro. Brasília, Câmara dos
Deputados: Centro de Documentação e Informação.

PARK,R. (1981) The emergence of the academic discipline of physical education in the
United States. In George A. Brooks (Ed) Perspectives on the academic
discipline of physical education. Champaing, Ill: Human Kinetics Publishers.

SÉRGIO, M. (1999) Um corte epistemológico: da Educação Física à Motricidade Humana.
Lisboa: Instituto Piaget.

SÉRGIO, M. (2001) Motricidade Humana e saúde. Separata da revista Sonhar,
Fascículo 2 - Volume VIII. Braga, PT.
SÉRGIO, M. (2005) Para um novo paradigma do saber e... do ser. Coimbra:
Aridne Editora. PT.

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