quarta-feira, 1 de abril de 2009

Jogos Cooperativos

Entrevista Fábio Otuzi Brotto
Revista Educação
Junho 2003

1) Não é uma utopia falar em jogos cooperativos num país que tem o futebol como paixão nacional?

Poderíamos pensar assim, caso estivéssemos realizando esta conversa há 12 anos atrás, quando o PROJETO COOPERAÇÃO iniciou a difusão de Jogos Cooperativos, no Brasil. Naquela época, boa parte das instituições, grupos e pessoas pensavam que a Competição era o único modo de vida possível e aceitável para resolver os problemas e realizar todas as metas desejadas. Hoje, falar em Jogos Cooperativos e promover a Cooperação como um Estilo de Vida, é bem diferente. Especialmente, neste país apaixonado pelo Futebol Pentacampeão e cada dia mais, desafiado a alcançar vitórias reais em campos bem mais complexos e sensíveis, tais como, no da Justiça Social, Educação Cidadã e Qualidade de Vida para todos, sem exceção. Em meu ponto de vista, somente através da prática de Jogos Cooperativos no dia-a-dia, é que estes “Campeonatos” poderão ser realmente conquistados!

2) O sr. defende que tanto a competição quanto a cooperação são valores culturais e não características inerentes à espécie humana. Mas vivemos em um mundo cada vez mais competitivo. Como essas informações podem ser trabalhadas na escola?

Competição e Cooperação são aspectos presentes em muitas formas de vida. Nos Seres Humanos podem se manifestar mais ou menos intensamente dependendo das escolhas que fazemos, individual e coletivamente, isto é, variam de acordo com a Cultura construída e sustentada por nossos pensamentos-sentimentos-atitudes-relacionamentos. Nos Jogos Cooperativos costumamos dizer que existem muitos Jeitos de Ver-e-Viver a Vida... e são muitos os Jeitos (in)possíveis. Sendo capazes de reconhecer diferentes alternativas para Jogar-Viver, podemos escolher aquela que mais nos agrada, não é? Talvez, precisemos aprender a VER MELHOR para poder VIVER MELHOR. E esta pode ser uma excelente contribuição a ser dada pela Escola, uma profunda e larga alfabetização do Olhar o mundo, os outros e a si mesmo... para re-encontrar o que é Como-Um a todos Nós!

3) Torcer para o time, xingar a mãe do juiz e usar malícia no jogo não faz parte do “espetáculo” do esporte?

Sim, faz parte. Como também faz parte do Esporte aprender sobre como ser mais íntegro e respeitar a integridade uns dos outros; como aperfeiçoar os fundamentos do Jogo e potencializar os princípios de uma co-existência pacífica; como lidar com os limites externos e descobrir algumas ilimitações internas; como valorizar as “pequenas vitórias” mesmo em meio a “aparentes derrotas”; como reconhecer um Solidário por trás do uniforme de um pseudo-adversário; e como celebrar cada gol, cada cesta, cada gesto, cada ponto... como um presente singular oferecido pela Vida para nosso infinito Jogar...

Sim, tudo isto e muito mais, faz parte do mesmo “espetáculo”. Por isso, saibamos fazer nossas escolhas sobre qual “espetáculo” desejamos ver acontecendo nos campos do Esporte e da Vida.

4) Há quanto tempo existe o Projeto Cooperação? Como surgiu a idéia?

O Projeto Cooperação – Comunidade de Serviço, nasceu em Santos-SP, no ano de 1992 e desde 2002, estamos também em Florianópolis-SC. Surgimos pelo propósito de reunir pessoas, grupos e organizações para difundir Jogos Cooperativos e promover a Cooperação para Construir um Mundo onde Todos podem VenSer... Juntos! Hoje, somos um grupo de 16 pessoas atuando em quatro grandes Focos: Publicação de Livros e Boletins – Realização de Oficinas e Cursos – Organização de Eventos Cooperativos – Pós-graduação e Intercâmbio. Atualmente, desenvolvemos vários programas em parceria com diversas instituições, tais como: Associação Palas Athena (São Paulo), Universidade Holística Internacional (Brasília), Centro de Vivências Nazaré (Nazaré Paulista), Suryalaya (Salvador), SESC (São Paulo e Rio de Janeiro), UNESCO (Brasília) e La Peonza (Espanha).


5) Quais são os objetivos dos Jogos Cooperativos?

Claro, o principal objetivo dos Jogos Cooperativos é estimular a Cooperação em quatro níveis interdependentes: Consigo mesmo, Com os outros, Com o inteiro-ambiente e Com a Comum-Unidade. Para alcançar este objetivo maior, procuramos criar ambientes de Ensinagem Cooperativa suficientemente potentes para promover o desenvolvimento de algumas das principais Co-Opetências da Cooperação, tais como: Confiança mútua, Liderança Circular, Comunicação Colaborativa, Criatividade Compartilhada, Centramento, Bom humor, Liberdade, Co-responsabiliade e Paz-Ciência.

6) O sr. atribui aos jogos alguns valores que extrapolam os limites do campo ou da quadra. Que valores seriam esses?

Por que os Jogos são tão importantes para o desenvolvimento humano? Porque nossa maneira de Jogar reflete nossa maneira de Viver. Assim, podemos melhorar nosso Jeito de Viver aperfeiçoando nosso Jeito de Jogar. Nos Jogos Cooperativos encontramos diferentes desafios que simulam a necessidade de resolver problemas, harmonizar conflito e realizar metas e objetivos, nas mais variadas situações de nossa vida cotidiana. A idéia por trás dos Jogos Cooperativos é aperfeiçoar o Estilo de Jogar de cada pessoa e do grupo. Em outras palavras, buscamos despertar virtudes, qualidades, talentos e valores essenciais para a Vida em sociedade, como por exemplo: honestidade, desapego, simplicidade, beleza, empatia, força de vontade, cumplicidade, reciprocidade, amorosidade, respeito e Cooperação.
Parafraseando a Palas Athena, diria que são “Valores que não tem preço”... e nem lugar exclusivo!

7) O que é futepar? E a dança das cadeiras cooperativas?

Existem muitos tipos de Jogos Cooperativos: Semi-Cooperativos, Jogos de Inversão, Jogos de Resultado Coletivo, Jogos Cooperativos de Tabuleiro, Jogos de Trans-Formação e Jogos Cooperativos propriamente ditos. É importante saber sobre estas e outras modalidades quando desejamos oferecer Jogos Cooperativos para algum grupo, numa determinada situação, pois muito do sucesso ou fracasso de um programa está na adequação dos Jogos a serem utilizados. O Futepar é um Jogo Semi-Cooperativo, porque aumenta o estímulo para Cooperação dentro de cada equipe e diminui a Competição entre as equipes. Em geral, é praticado como um Jogo de Futebol normal, sendo que joga-se em duplas e com as mãos dadas. É bastante desafiador e divertido, incentivando os jogadores(as) a ajustar os ritmos individuais num jeito de jogar Como-Um. Já a Dança das Cadeiras Cooperativas é um Jogo Cooperativo propriamente dito... ou pelo menos, espera-se que sim! Baseado na brincadeira tradicional da Dança das Cadeiras, onde existe somente um(a) ganhador(a), este Jogo convida os participantes a terminar o Jogo com TODOS sentados nas cadeiras que sobrarem. Vai-se retirando cadeiras e todos permanecem jogando e descobrindo maneiras para sentar e VenSer... Juntos! Vale lembrar uma coisa: Um Jogo Cooperativo não garante que haverá Cooperação. Apenas oferece melhores condições para que ela aconteça. Assim, é recomendável preparar adequadamente cada seção de Jogos Cooperativos, propondo desafios compatíveis com cada pessoa e grupo.

8) Dentro desse contexto, jogos de tabuleiro, como os clássicos War, Banco Imobiliário e Imagem e Ação, são “nocivos”? Nem o xadrez escapa?

Gisela e eu, somos pai-mãe de três crianças: Tiê (11), Ilê (7) e Lyz (2). Brincamos bastante com eles e tentamos incentiva-los a Jogar Cooperativamente, em casa. Preferimos os Jogos Cooperativos de Tabuleiro (Jogo da Terra e o Jogo Lugar Bonito), mas eles gostam também de outros jogos não propriamente cooperativos. Então, jogamos com eles o Banco Imobiliário, Imagem e Ação, Xadrez, Roba-Monte, Vídeo Game (os de luta não!)... e tentamos descobrir juntos, como Jogar Cooperativamente Jogos Competitivos. Muitas vezes, é mais importante aprender a lidar com a Competição a partir de uma Consciência Cooperativa, ao invés de evita-la ou ignora-la. Ah! Já existe Xadrez Cooperativo, viu?!!!

9) O ensino de educação física muitas vezes é visto como recreação nas escolas. Por que essa disciplina é tão desvalorizada?

Provavelmente, por desconhecimento das muitas possibilidades e contribuições que ela pode oferecer para o desenvolvimento do Ser Humano Integral e para a promoção da Cidadania e Qualidade de Vida pessoal e coletiva. Vejo a Educação Física (Physis=Vida) como uma área tão importante como todas as demais presentes na escola e além dela e procuro vive-la de acordo com sua grandeza. Atualmente, não é difícil encontrar Professores e Professoras de Educação Física entre aqueles “prediletos” da moçada na escola e também, ocupando cargos de direção em diferentes níveis da Educação. Isto é real para todos aqueles Professores(as) de Educação Física dedicados a realizar sua vocação para despertar o que há de melhor no coração de cada um e de todos. Isto é diferente do que fazer despontar os melhores-piores, vencedores-perdedores, bons-maus... uns-e-tais.

10) A formação que as universidades oferecem tem preparado bons professores de Educação Física?

Com certeza! Uma boa parte das Universidades e Faculdades dirigidas a formação e atualização de Professores(as) de Educação Física está sintonizada com os novos desafios impostos pelo Jogo Planetário. Diante da diluição das fronteiras internacionais, do encurtamento das distâncias entre os povos, da mundialização dos problemas e recursos e da eminente necessidade de reequilíbrio entre as muitas ecologias existentes no âmbito individual e coletivo; é preciso responder com um novo conjunto de habilidades e talentos. Não mais a capacidade de Fazer Mais do que outros para Ganhar Sozinho, mas, sim, a Co-Opetência de Fazer Melhor COM os outros para VenSer Juntos! Nesse sentido, muitas re-visões estão sendo processadas na formação e no campo de atuação da Educação Física. E um dos sinais dessa renovação é a inclusão dos Jogos Cooperativos como disciplina curricular na Graduação e a realização de Cursos de Pós-graduação Lato Sensu em Jogos Cooperativos, como o que realizamos em Santos-SP, em parceria com a UNIMONTE e em Florianópolis-SC, através de um Convênio de Cooperação Institucional com o CESUSC.
Bons tempos!

11) Você gosta de futebol? Torce para que time?

Olha, sou do tempo que a gente brincava na rua e construía “campinhos de futebol” em terreno baldio. Jogávamos com bola de capotão, devidamente cuidada com camadas de sebo de boi. Não sou lá um craque, mas naquele tempo o que importava era o prazer de fazer parte da turma e chegar em casa com a sensação de um dia vivido intensamente. E tinha mais. Jogava Basquete, Vôlei, Andebol, corria, saltava, andava de bicicleta, soltava pipa, fazia carrinho de rolemã, brincava de esconde-esconde e polícia-e-ladrão... tudo na rua. Desde pequeno, em Rio Claro-SP, pulava o muro do estádio para torcer pelo Velo Clube; então mudei para Sampa e assumi Ser Palmeirense; casei, fui para Santos-SP e com os filhos, virei “Peixe”; agora, estou decidindo Ser Avaí ou Figueirense, mas confesso, aqui em Floripa-SC, tenho muito menos pressa, porque o que afinal interessa é que continuemos bem à beça... Juntos!

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