quarta-feira, 1 de abril de 2009

Jogos Cooperativos na Escola

JOGOS COOPERATIVOS NA ESCOLA (*)
Prof. Roberto Gonçalves Martini

1 - JOGOS COOPERATIVOS: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS.
Nos últimos anos os Jogos Cooperativos vêm sendo utilizados como estratégia nos mais variados contextos, entre eles: o escolar, o organizacional, o esportivo e o comunitário. Essa opção por utilizar os Jogos Cooperativos em diferentes ambientes, possivelmente esteja associada à constatação, por parte da nossa sociedade, de que, nossas formas de vida coletiva necessitam ser re-equilibradas, e que os Jogos Cooperativos podem nos oferecer boas contribuições na busca desse equilíbrio. Tais jogos podem nos ajudar ainda na simples constatação de que nenhum de nós é mais competente ou capaz do que todos nós juntos, na busca da resolução dos principais problemas que nos afligem hoje.
Nesse sentido, procuraremos destacar as principais características dos Jogos Cooperativos, para que tenhamos uma melhor visão quanto às suas possibilidades.
Uma característica essencial desse tipo de jogo é o envolvimento do grupo em um objetivo comum. A partir deste envolvimento, todos os participantes passam a unir forças para que o objetivo seja alcançado.
Segundo Brotto (2001), nos Jogos Cooperativos: “Joga-se para superar desafios e não para derrotar os outros; joga-se para gostar do jogo, pelo prazer de jogar. São jogos onde o esforço cooperativo é necessário para se atingir um objetivo comum e não para fins mutuamente exclusivos”. (p. 54)
Os Jogos Cooperativos oferecem a oportunidade para que sejamos nós mesmos, pois, acolhidos por uma atmosfera de cumplicidade e liberdade, podemos lidar com nossas fraquezas, bem como com nossas potencialidades, com maior profundidade.
Nessa perspectiva, Brotto (2001) observa que:
Estivemos durante muito tempo, nos educando, treinando, nos preparando para não nos mostrarmos aberta e autenticamente ao outro, dissimulamos, não nos mostramos como somos intimamente sob o risco de revelar nossas “fraquezas” e então sermos atacados e derrotados pelos “terríveis adversários”... os outros seres humanos. (p. 39)

O que está destacadamente “em jogo nesse tipo de jogo” são os riscos que corremos juntos com o grupo, as interações harmoniosas com as pessoas e não a superação delas.
Os Jogos Cooperativos são um excelente exercício de convivência, porque podem nos ajudar a aprimorar nossas interações e nossa comunicação, bem como auxiliar-nos no estabelecimento de um ambiente baseado na confiança e no respeito.
Para Brown (1994), os Jogos Cooperativos podem interferir no estabelecimento de relações mais pacíficas e harmônicas. Para o autor, esta forma de jogar, “Busca a criação e a contribuição de todos. Busca eliminar a agressão física contra os outros. Busca desenvolver atitudes de empatia, cooperação, estima e comunicação”. (p. 25)
Jogar cooperativamente também é uma ótima oportunidade para a socialização dos nossos conhecimentos, habilidades e qualidades, para que juntos realizemos algo que sozinhos teríamos dificuldades em realizar.
Segundo Orlick (1978), “O objetivo primordial dos Jogos Cooperativos é criar oportunidades para o aprendizado cooperativo e a intenção cooperativa prazerosa”. (p. 123)
Nessa perspectiva, jogar cooperativamente é uma grande oportunidade de ir ao encontro de si mesmo, ver e re-ver nossas ações no mundo, nossos valores e nossa forma de encarar a vida. Estar consigo mesmo, aqui e agora, é um enorme presente possível também por meio dos Jogos Cooperativos.
Jogar cooperativamente também é uma ótima oportunidade para nos encontrarmos verdadeiramente com os outros, pois quando constatamos que nesse tipo de jogo estamos todos no mesmo time ou que podemos nos livrar da sensação de que alguém pode nos tirar algo, costumamos “baixar a guarda” e ver as pessoas sob uma ótica mais amistosa e acolhedora.
Dessa forma a sensação de estarmos todos no mesmo barco costuma nos despertar sentimentos de cooperação, confiança, respeito, solidariedade, além de estimular nossas interações positivas.
Para Brotto (1997): “Quando conseguimos nos descontrair e ficar mais flexíveis nas nossas interações com os outros, liberamos todo o potencial criativo que há em cada um”. (p.67)
Este é mais um desafio dos Jogos Cooperativos: ir ao encontro das pessoas, estabelecer novas formas de relacionamento e aprender a enxergar o outro como parceiro e não mais como adversário.

Como os jogos também manifestam nossas intenções, Walquer (apud Brotto, 2001) busca, a partir da observação de crianças jogando, registrar as manifestações e intenções presentes nos Jogos Competitivos e Cooperativos.

JOGOS COMPETITIVOS
JOGOS COOPERATIVOS

São divertidos apenas para alguns.
São divertidos para todos.
Alguns jogadores têm o sentimento de derrota.
Todos os jogadores têm um sentimento de vitória.
Alguns jogadores são excluídos por sua falta de habilidade.
Todos se envolvem independente de sua habilidade.
Aprende-se a ser desconfiado, egoísta ou sentir melindrado com os outros.
Aprende-se a compartilhar e a confiar.
Divisão por categorias: meninos x meninas, criando barreiras entre as pessoas e justificando as diferenças como uma forma de exclusão.
Há mistura de grupos que brincam juntos criando alto nível de aceitação mútua.
Os perdedores ficam de fora do jogo e simplesmente se tornam observadores.
Os jogadores estão envolvidos nos jogos por um período maior, tendo mais tempo para desenvolver suas capacidades.
Os jogadores não se solidarizam e ficam felizes quando alguma coisa de “ruim” acontece aos outros.
Aprende-se a solidarizar com os sentimentos dos outros, desejando também o seu sucesso.
Os jogadores são desunidos.
Os jogadores aprendem a ter um senso de unidade.
Os jogadores perdem a confiança em si mesmo quando eles são rejeitados ou quando perdem.
Desenvolvem a auto-confiança porque todos são bem aceitos.
Pouca tolerância à derrota desenvolve em alguns jogadores um sentimento de desistência em face de dificuldades.
A habilidade de perseverar face às dificuldades é fortalecida.
Poucos se tornam bem sucedidos.
Todos encontram um caminho para crescer e desenvolver.
Fonte: Walquer, apud Brotto, p. 56.

Esse quadro vem sendo largamente utilizado nas abordagens sobre os Jogos Cooperativos, com o intuito de explicitar as características dos Jogos Cooperativos e Competitivos.
Consideramos importantes as considerações de Brotto (2001): “Apesar da comparação apresentada, não há uma divisão rígida e linear entre essas duas formas de jogar. Na realidade, existe uma aproximação muito estreita entre jogar cooperativamente e jogar competitivamente”. (p.55)
Entendemos ser pertinente a inclusão de um aspecto a essa discussão: o fato de que, no Jogo, estamos lidando com um contexto de incertezas. Dessa forma, não temos garantias de que as características apontadas no quadro em questão possam realmente delimitar as manifestações presentes nas duas estruturas, cooperativa e competitiva.
Nesse sentido, como todo Jogo é um convite ao imprevisível, é importante estar atento ao fato de que não há garantias de que no Jogo Cooperativo haverá efetivamente Cooperação, como também não há garantias de que no Jogo Competitivo haverá efetivamente Competição.
No entanto, esta posição não significa dizer que a intervenção do professor pouco interferiria no andamento do jogo, pelo contrário, é exatamente sua intervenção que nele influencia diretamente, seja na importância que é atribuída à vitória, na forma como os conflitos são harmonizados, seja na estrutura em que se escolhe jogar.
Assim, entendemos que os Jogos Cooperativos criam um ambiente facilitador para que as manifestações de cooperação aconteçam. Da mesma forma, os Jogos Competitivos também podem criar um ambiente facilitador para que as manifestações de competição aconteçam.
Caso nossa intenção seja a criação de um ambiente facilitador das manifestações de cooperação, é importante reconhecer algumas categorias de Jogos Cooperativos.

2 - CATEGORIAS DOS JOGOS COOPERATIVOS
As categorias aqui apresentadas seguem um modelo proposto por Orlick (1978). Elas nos permitem vivenciar diferentes níveis de cooperação por meio dos Jogos Cooperativos, dependendo, em grande parte, da categoria em que se escolhe jogar. Tais categorias podem ainda ser utilizadas a partir de uma combinação que envolva, por exemplo, duas delas.

a) JOGOS COOPERATIVOS SEM PERDEDORES
Nesta categoria de jogos os participantes formam uma única equipe em que todos compartilham do mesmo desafio, facilitando assim a identificação de um objetivo comum. Nesse sentido, o trabalho em equipe desenvolvido pelo grupo busca convergir para que todos alcancem o objetivo proposto; esse esforço conjunto é também um fator de estímulo para que o grupo aprimore suas habilidades de comunicação, persistência e resolução de conflitos, entre outras.
Nessa forma de jogar, todos iniciam o jogo juntos e permanecem juntos até o final, o que facilita um alto grau de cooperação, envolvimento e diversão.

b) JOGOS DE RESULTADO COLETIVO
Neste tipo de jogo os participantes estão agrupados em duas equipes, no entanto, como todos estão envolvidos em uma ação conjunta, para superar um desafio comum, tal ação se caracteriza como um trabalho coletivo, e não como oposição entre as duas equipes.
Nesta categoria de jogo, o agrupar de forças envolve as duas equipes que, ao compartilharem dos resultados, costumam repensar a postura, comumente adotada, quando se joga contra outra equipe.
Segundo Orlick (1978): “Esses jogos tendem a derrubar as barreiras tradicionais entre duas equipes que jogam uma contra a outra”. (p. 126)

c) JOGOS DE INVERSÃO
Nesta categoria, apesar de duas equipes disputarem entre si, os jogos oferecem uma estrutura que possibilita aos participantes “trocarem de time”, uma, algumas ou várias vezes durante o Jogo.
Essa troca constante de time permite mexer com padrões estabelecidos e idéias tradicionais, nas quais o adversário que joga no outro time é alguém de quem se deve “manter distância”.
Dessa forma, uma vez que as inversões são aceleradas, o placar deixa de ser o mais importante, pois, ao final do jogo, não importa muito quem ganhou ou perdeu.
Segundo Orlick (1978): “O método de inversão parece diminuir a preocupação exagerada com o resultado, pois tanto o resultado numérico quanto os times não são definidos”. (p. 128)
As inversões de jogadores e pontuação aprimoram ainda a noção de interdependência, bem como a percepção de que, na verdade, todos fazem parte de um mesmo time.

d) JOGOS SEMICOOPERATIVOS
Nesses jogos, as estruturas cooperativa e competitiva convivem ao mesmo tempo, o que possivelmente contribua para que o jogo se torne mais divertido. Um dos objetivos nessa categoria é equilibrar as oportunidades de real participação, de forma que todos sejam reconhecidos como pessoas importantes para os times e para o desenvolvimento do jogo.
Nessa categoria de jogos, mesmo havendo competição entre as equipes, o resultado passa a não ser tão importante, pois busca-se como meta aprimorar a interação e a cooperação entre os participantes, de forma que todos continuem jogando.
Os jogos semicooperativos são, possivelmente, a melhor indicação para o início do trabalho com grupos que têm pouco contato com os Jogos Cooperativos.
Sobre essa questão Brotto (2001), observa que:
Considerando a integração dos Jogos Cooperativos em ambientes e grupos com pouca ou nenhuma experiência anterior, é aconselhável iniciar pelos Jogos Semi-Cooperativos e gradativamente, caminhar na direção dos Jogos sem perdedores.
(p. 87)

Tais jogos facilitam ainda a percepção do ritmo do outro e o respeito às diferenças presentes no jogo.

Neste sentido aprender a cooperar na Educação Física Escolar por meio das diferentes categorias de Jogos Cooperativos parece uma proposta viável e necessária, mas que dependerá também de um processo de ensino-aprendizagem coerente com a dinâmica dos Jogos.
Segundo Brotto (2001), o processo de ensino e aprendizagem para os Jogos Cooperativos apóia-se na interdependência de três dimensões:

CONVIVÊNCIA ð CONSCIÊNCIA ð TRANSCENDÊNCIA
A convivência: Está relacionada à ação, à vivência, à percepção de si mesmo e ao contato com o outro por meio dos jogos.
A consciência: Está associada ao processo de reflexão sobre a vivência do jogo, à revisão de nossas posições e escolhas, bem como à mudança de comportamento.
A transcendência: Busca a transformação, a mudança de atitude e a integração dos processos vividos à nossa vida diária. (p.63)

Inspirados por esse processo pode-se reconhecer na Educação Física Escolar um espaço repleto de possibilidades para descobertas pessoais, especialmente por meio dos jogos, dança e esporte, que costumam oferecer ótimos momentos de reflexão sobre nossas ações, além de um contexto propício ao processo de transformação.

3 – COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO: UM OLHAR MAIS ATENTO
Temos escolhido jogar competitivamente ao longo de muito tempo e essa opção é claramente percebida nas diferentes formas de relações sociais, nas quais, mesmo quando não é necessário, costumamos colocar nosso foco no ganhar ou perder.
Como exemplo desse condicionamento, podemos citar o que ocorre nas escolas, nas quais a competição é utilizada, por exemplo, como forma de motivar a participação dos alunos em atividades promovidas durante o ano, nas chamadas atividades integrativas ou socializadoras. Nessas oportunidades, quase sem questionar a possibilidade de utilização de outras estratégias, a escolha acaba sendo pelo modelo competitivo.
No entanto, temos visto que muitas vezes essa opção acaba gerando muitos conflitos e desarmonia, intra e entre grupos, criando uma situação contrária ao desejado. Esse comportamento pode ser compreendido por se tratar de um condicionamento adquirido ao longo de nossas vidas: somos educados pela família, escola e sociedade em um modelo que nos faz optar pela competição sem questionamento.
Nessa perspectiva, Orlick (1978), observa que: “Em nossa própria cultura somos sitiados pela competição. Recompensamos os vencedores e rejeitamos os perdedores”. (p. 19)
Esta postura é facilmente reconhecida, por exemplo, na pergunta da diretora ao encontrar o time que retorna à escola após um jogo: “E então, ganharam ou perderam?”. Assim também no pai que, ao receber o filho em casa, após uma competição no clube, pergunta: “E aí filho, ganhou ou perdeu?”
Segundo Margaret Mead, “É a estrutura social que determina se os membros de uma determinada sociedade irão competir ou cooperar entre si”. (apud Orlick, p.48).
Se comportamentos cooperativos ou competitivos são adquiridos por meio da estrutura social, podemos considerar que a família e a escola, por exemplo, tem um papel determinante nesse processo. Dessa forma, ao modificar o comportamento no jogo, principalmente nos Jogos que oferecemos nas aulas de Educação Física, estaremos criando possibilidades para transformar atitudes em nossas vidas, além do Jogo. Para Orlick (1978), “... o mesmo poder que têm os jogos de impedir que as pessoas sejam honestas e amorosas pode ser invertido para estimular esses comportamentos”. (p.107)
Na nossa perspectiva, a mudança de comportamento no Jogo passa, também, por uma revisão na forma como o encaramos na escola, bem como nas nossas expectativas quanto a ele.
Reconhecemos que os Jogos nos oferecem várias experiências interessantes que independem do resultado final. Dessa forma, quando valorizamos apenas a vitória como produto final do Jogo, esquecemos a importância e as múltiplas possibilidades presentes no processo do Jogo.
Entretanto, mesmo jogando competitivamente, podemos ampliar nossa visão do Jogo, segundo Orlick (2002): “Existem numerosas oportunidades dentro dos jogos competitivos para educar por valores”. (p. 07)
Certamente existem inúmeras possibilidades presentes no Jogo e que vão muito além do simples ganhar ou perder. Por exemplo: na aplicação perfeita de um sistema de defesa que o professor ficou meses trabalhando com os alunos; nas superações individuais, como ter maior controle emocional em situações conflitantes; na melhor comunicação do time; ou ainda, no melhor entrosamento da equipe; apesar de, mesmo com todas estas vitórias reais, o time não ter conseguido superar o adversário no placar numérico.
Deixaria o time de ser vitorioso por isso?
Para Brown (1994), “Aceitar a meta de ganhar como primordial faz com que a criança acredite que se possa trapacear, abusar e tudo o que é preciso para alcançar esse objetivo”. (p.13)
Poderíamos, ainda, considerar e valorizar a possibilidade de aprender com o outro, mesmo que esteja no time contrário. Durante o jogo existe uma constante organização e reorganização dos nossos gestos, permitindo uma interação direta com o outro. O jogador, então, quando prepara um drible ou uma ação qualquer, passa a estabelecer um diálogo estreito com seus adversários porque, a partir daí, as ações dele interferirão diretamente nas ações dos outros e vice-versa.
Seus esquemas motores e os dos demais passarão a existir e a se organizar em função de uma mesma situação, criando uma relação direta entre ambos, na qual o codificar gestos e o decodificar novas ações acontecem o tempo todo.
Então, o suposto adversário que joga no outro time é apenas uma pessoa que vai permitir a descoberta de suas nossas habilidades, permitindo também que encontremos novas formas de aprimorá-las.
Sendo assim, poderíamos também chamar as pessoas do outro time de parceiros, desmistificando a idéia de adversário-inimigo, e aproximando-nos do que Brown (1994) considera jogar “com o outro e não contra o outro”. (p. 25)


Mas o que é mesmo Competição e Cooperação?
Para ter melhor clareza sobre a Cooperação e a Competição enquanto manifestações humanas, optamos por apontar algumas definições de ambas, com a finalidade de ampliar nossa visão sobre o jogar competitivamente ou cooperativamente.
Quanto à competição, começamos citando a antropóloga Margaret Mead, quando observa que a competição é “o ato de procurar ganhar o que outra pessoa está se esforçando para obter, ao mesmo tempo”. (apud Orlick, 1978, p.81).
Tani (1988), por sua vez, observa que, “Quando uma pessoa ou grupo tem como objetivo um melhor resultado em relação a outra pessoa ou grupo, é gerada a oposição. Esta poderá resultar em competição ou conflito”. (p. 129)
Na perspectiva de Brotto (2001), competição “é um processo onde os objetivos são mutuamente exclusivos, as ações são individualistas e somente alguns se beneficiam dos resultados”. (p.27)
Entendemos, assim, que a competição ocorre quando duas ou mais pessoas desenvolvem ações independentes para atingir o mesmo objetivo que, para as pessoas envolvidas na competição, só pode ser alcançado e desfrutado por uma das partes, ou seja, a vencedora.

Em relação à cooperação, citamos Ulrich (1977), quando afirma que, “quando as pessoas ou grupos combinam suas atividades, ou trabalham juntos para conseguir um objetivo comum, de tal maneira que o maior êxito de alguma das partes concorra para um maior êxito dos demais, temos o processo social de cooperação”. (apud Tani, 1988, p.132)
Para Orlick (1978), na interdependência cooperativa “uma pessoa pode alcançar seu objetivo, se, e somente se, as outras com as quais ela estiver ligada conseguirem atingir seus objetivos”. (p. 81)
Segundo Brotto (2001), cooperação “é um processo onde os objetivos são comuns, as ações são compartilhadas e os resultados são benéficos para todos”. (p.27)
Na nossa perspectiva, a cooperação acontece quando duas ou mais pessoas desenvolvem ações interdependentes, mesmo que em tempo e espaço diferentes, para que um objetivo comum seja alcançado e compartilhado.
Como exemplo da manifestação da cooperação em tempo e espaço diferentes, podemos citar uma cooperativa agrícola, na qual seus integrantes desenvolvem ações como: plantar, colher, transportar e vender, que podem ser realizadas por diferentes pessoas em diferentes momentos e lugares, porém todos colaboram para atingir um mesmo objetivo, que é benéfico para todos.
Entendemos que a cooperação é uma manifestação que pode ainda oscilar entre a simplicidade e a complexidade, dependendo, em grande parte, do grau de aproximação entre as pessoas que cooperam.
Na nossa visão, o ato de cooperar, trabalhar em equipe para realizar algo, é uma tarefa que, em princípio, denota extrema simplicidade, por exemplo: transportar juntos um objeto que ambos necessitam transportar, mas que, sozinhos, não conseguiriam; ou arrumar uma sala, que todos querem ver arrumada, com maior rapidez.
No entanto, cooperação pode também ser algo complexo, quando o ato de cooperar envolve maior comprometimento e maior exposição das pessoas que cooperam. Dessa forma, quando a ação conjunta envolve o equilíbrio das reais expectativas, interesses e sentimentos individuais das pessoas que cooperam, o grau de complexidade para integrar as ações do grupo aumenta automaticamente.

4. ALGUMAS APROXIMAÇÕES
A partir desse cenário, procuraremos destacar algumas contribuições dos Jogos Cooperativos para que a Educação Física Escolar atenda aos objetivos Educacionais hoje.
O campo de reflexão sobre essas contribuições irá em busca de aproximações com a Cidadania, a Solidariedade e o Conhecimento. Questões que, na nossa visão, necessitam ser consideradas e priorizadas na ação docente.

Jogos Cooperativos e Cidadania
A escola é reconhecidamente um instrumento facilitador do exercício da cidadania e, mesmo constatando que em muitos momentos ela não cumpre esse papel, vale lembrar que essa não é uma tarefa apenas da escola e sim de todas as instituições sociais.
Segundo o professor Carlos Rodrigues Brandão: “... tudo o que se há de aprender de essencial está muito mais na intervivência de prática cidadã, desde a sala-de-aula até todos os âmbitos da Educação e todas as dimensões em que a Educação se desdobra”. [1]
É na perspectiva da “intervivência da prática cidadã” que consideramos os Jogos Cooperativos como veículo facilitador de uma dinâmica capaz de permitir aos participantes o acesso à participação efetiva e o desenvolvimento da consciência social, em que o desafio comum, que é uma característica importante dos Jogos Cooperativos, aparece como pano de fundo na articulação coletiva.
Nesse sentido, acreditamos que os Jogos Cooperativos podem nos trazer um aprendizado fundamental para os dias atuais, que é aprender a fazer juntos, o qual entendemos corresponder ao que Delors (2003) chamou de “aprender a viver juntos”.
Reconhecemos que esse é um aprendizado importante para toda a sociedade, pois as resoluções de nossos principais problemas pedem, cada vez mais, ações conjuntas, o que justifica a urgência da habilidade de fazer com o outro.
Nessa perspectiva, reconhecemos a possibilidade dessa aprendizagem por meio dos Jogos Cooperativos, nos quais a experiência de articular ações grupais, buscar o consenso, reconhecer possibilidades e limites, assumir responsabilidades, são ingredientes do fazer junto, bem como do mais puro exercício de construção coletiva. Esse aprendizado por meio dos Jogos Cooperativos, quando traduzido para o dia-a-dia dos alunos, pode se tornar o embrião, a matriz de futuras participações no espaço público, seja na comunidade, na cidade ou no país, em que a autonomia e a responsabilidade constituem o impulso essencial para a cidadania plena.

Jogos Cooperativos e Solidariedade
Durante um bom tempo a prática da Educação Física esteve (e em muitos casos ainda está) preocupada apenas com a busca de resultados, fazendo que meninos e meninas rendessem mais, correndo, jogando, saltando e arremessando. Essa visão apoiou um tipo de prática na qual o ganhar ou perder são respectivamente o produto final de uma série de ações.
Segundo Santin (1993), nessa perspectiva “O que vale é a vitória. O jogador não sente mais alegria e prazer pelo fato de jogar, mas só quando alcança a vitória. O jogo deixa de ser o conjunto das atividades, para se tornar apenas o resultado final. Jogar não é jogar, mas vencer”. (p. 90)
Observamos que, ao colocar o foco da nossa participação no jogo no resultado final, desconsideramos uma série de experiências positivas que podem ser vividas independentemente do seu resultado. Dentre essas experiências estão as proporcionadas pelas manifestações de solidariedade que complementam o sentimento de pertencimento.
No livro “Competência e Sensibilidade Solidária” (2000), Hugo Assman e Jung mo Sung fazem uma interessante investigação sobre a solidariedade, apontando uma variedade de significados para a palavra. Segundo os autores “lidamos com um discurso que flutua por diversos campos do sentido”. (p. 35)
Dentro dessa diversidade de interpretações possíveis, queremos partir de uma referência comum que aproxime a solidariedade e os Jogos Cooperativos e vemos essa referência no Corpo, entendido na sua integração com o afetivo e o cognitivo.
Especialmente porque na Educação Física, a intenção é corporalmente experienciada e materializada, a percepção do outro é facilitada pela prática dos esportes, dos jogos, das brincadeiras, das danças e da ginástica. Ser ou não ser solidário aqui é uma ação vivida, também, corporalmente.
Dessa forma o sentido de solidariedade no contexto das práticas corporais, que são instrumento da Educação Física, passam a ter um significado maior, ficando expresso no gesto de quem joga, ampliando o sentimento de interdependência e respeito mútuo que garanta o bem-estar de todos os envolvidos.
Nesse sentido, a solidariedade expressa corporalmente no Jogo tende a se manifestar em outras relações fora dele, no ambiente escolar como um todo, no familiar e no comunitário.

Jogos Cooperativos e Conhecimento
Uma das principais funções da escola é facilitar o acesso ao conhecimento que é histórica e socialmente produzido. Dessa forma, as Línguas, a Matemática, a Física e as Artes, entre outras, permitem aos alunos a apropriação do mundo por meio do conhecimento até ali produzido.
No entanto a escola não estará cumprindo seu papel ao tratar do conhecimento apenas como algo que necessita ser informado, como um produto pronto e acabado. O conhecimento tem também a função de dar subsidio ao ser humano para transformar sua realidade e construir o que há de vir.
Segundo Cortella (1998):
... o bem de produção imprescindível para nossa existência é o Conhecimento, dado que ele, por se constituir em entendimento, averiguação e interpretação sobre a realidade, é o que nos guia como ferramenta central para nela intervir; ao seu lado se coloca a Educação (em suas múltiplas formas), que é o veículo que o transporta para ser produzido e reproduzido. (p. 45)

Assim como na visão de Cortella, na qual o conhecimento é visto como ferramenta de intervenção na realidade, entendemos que a prática dos Jogos Cooperativos, como conteúdo da Educação Física Escolar, seja capaz de promover tal intervenção.







(*) Este texto é parte da Dissertação de Mestrado – Jogos Cooperativos na Educação Física Escolar: A Concepção de Professores de Educação Física. PUC-SP

[1] Apostila utilizada no curso de Pós-Graduação em Jogos Cooperativos (Projeto Cooperação/Unimonte – Santos-SP).

Nenhum comentário:

Postar um comentário